O secretário-geral da FESAP admite subidas salariais no Estado acima de 52 euros ou de 2% para ordenados superiores a 2600 euros e acusa a geringonça de ter reduzido a negociação coletiva.
A Federação de Sindicatos da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos (FESAP) e o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), ambos da UGT, assinaram um acordo plurianual para a valorização dos trabalhadores do Estado, que prevê aumentos anuais, até 2026, de 52,11 euros para vencimentos até 2600 euros brutos e de 2% para ordenados superiores, o que dá uma atualização entre 8% e 2%, sendo que a inflação prevista para este ano é de 7,4%, segundo o governo. Só a Frente Comum, da CGTP, ficou de fora deste entendimento. Em entrevista à Vida do Dinheiro, o secretário-geral da FESAP, José Abraão, afirma que este não é um acordo fechado, havendo margem para negociar maiores aumentos salariais.
Na assinatura do acordo, disse que as últimas legislaturas remeteram a negociação coletiva a um simples exercício de consulta. A geringonça marginalizou os sindicatos?
De algum modo, a geringonça, fruto da necessidade de se obterem, no Parlamento, as condições para governar, acabou por reduzir o espaço da negociação coletiva. Por isso, foram simples exercícios de audição, muitas vezes usados para avançar com médias salariais, milhões e milhões de euros sobre as coisas que não chegaram em muitos casos ao bolso das pessoas, porque não houve aumentos salariais. Chegou a haver um aumento de 0,3%, em 2021, no último ano foi de 0,9% e até se cometeu o ridículo de se reduzir 0,1% da deflação de 2020. A negociação coletiva ficou prejudicada.
Reconhece que este acordo não impede que a maior parte dos trabalhadores tenha uma perda de poder de compra. Por que razão aceitou este memorando de entendimento?
Bem sei que 2022 foi um ano de uma enormíssima inflação, onde todos perdemos. O acordo que celebrámos garante que nenhum trabalhador tenha menos de 52,11 euros de aumento salarial. E conseguimos para os técnicos superiores uma valorização das carreiras, cuja negociação continua, para que seja garantido à maioria destes trabalhadores pelo menos 104,22 euros, em 2023. Além disso, como se trata de um acordo de legislatura, está garantido que todos os trabalhadores terão um aumento de 208 euros, no mínimo, até 2026.
Mas em 2023 ainda haverá perda do poder de compra para a maior parte dos trabalhadores.
Haverá uma perda acumulada, que já vem de 2009, de 15%. A inflação vai chegar aos 8%. São perdas muito significativas. Fizemos o acordo para que não continuássemos na degradação dos salários. Este virar de página é um sinal de que o governo está disponível para ir avaliando todas estas situações para que se possa melhorar a vida das pessoas através dos seus salários. Mais de 120 mil trabalhadores vão ter um aumento de 8%. Até aos mil euros vão ter um aumento de 5%. Isto chega? Não, é insuficiente. Poderão dizer-me que 2% de aumento é insuficiente? Pois é. Mas o governo decidiu valorizar, nesta fase, as carreiras gerais, mas não vamos desistir de valorizar todas as carreiras. Estou convicto de que este acordo protege os trabalhadores.
O aumento de 104,22 euros para a maioria dos técnicos superiores foi determinante para a assinatura deste acordo, assim como a contagem dos pontos que sobraram do último ciclo avaliativo e que se iam perder por força de progressão na carreira?
Tudo isso foi muito relevante. Em primeiro lugar, a FESAP sempre considerou que o salário mínimo não se devia aplicar na Administração Pública. Tínhamos de ter uma base remuneratória superior. Agora, temos os 761,58 euros. É pouco, mas marca a diferença. Tinham-nos prometido a alteração ao SIADAP [Sistema Integrado de gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública] que era para estar concluída em dezembro de 2021, ainda hoje estamos à espera. Mas temos no acordo a revisão do SIADAP e da Tabela Remuneratória Única. O SIADAP vai voltar a ser anual e vai beneficiar trabalhadores que não têm de estar tanto tempo à espera, dois anos, para poderem mudar de posição remuneratória. As posições remuneratórias que foram absorvidas pelo aumento do salário mínimo colocou-nos numa situação tão injusta como aquela que tem a ver com um trabalhador que entra hoje e vem ganhar 761,58 euros e aquele que tem 35 anos e ganha rigorosamente o mesmo. Está no acordo a possibilidade de valorizar a antiguidade dos trabalhadores. Isto é para operacionalizar na negociação antes da votação final global do Orçamento do Estado, de modo a que possa ser integrado no Orçamento.
Fala aqui de calendarização a curto prazo, antes da aprovação do Orçamento do Estado para 2023.
E para a legislatura. Haveremos, até 2026, de continuar a negociar os salários todos anos, em função da inflação que se possa vir a prever, estamos aqui perante uma mudança de paradigma. Já temos mais do que aquilo que está no acordo da política de rendimentos para o privado.
O tal aumento anual, até 2026, de 52,11 euros para salários até 2600 euros brutos e de 2% acima desse patamar pode ser revisto? Se tivermos uma inflação como a de hoje, cerca de 8%, e se a perda dos salários se continuar a verificar, acionaremos as cláusulas que temos no acordo para rever os aumentos salariais.
Há abertura para que, em 2024, o aumento seja superior aos 52,11 euros?
Isso está expresso no acordo. Quando definimos que seriam 52,11 euros em cada ano, 208 euros até final da legislatura, consoante a economia. As cláusulas que permitem avaliar este acordo são: no momento em que se negoceia o Orçamento do Estado de cada ano e sempre que haja uma alteração das condições que estiveram na base do acordo. Isto conforta-nos na medida em que não sabemos o que vai acontecer em 2023. Sabemos que vai ser um ano muito difícil para toda a gente. Nessa altura, este acordo permitir-nos-á voltar às negociações.
Que indicadores o governo terá em conta para a atualização salarial nos próximos anos? Inflação esperada, inflação verificada, crescimento económico?
Esperamos que seja um pouco de tudo, porque nos últimos anos houve crescimento económico significativo, onde se pôs tudo do lado do défice e da dívida. E sempre dissemos que era preciso uma melhor redistribuição do rendimento. As previsões dizem que o crescimento será baixo, a dívida vai reduzir mais, mas governar é optar e se se optou por este acordo, por este caminho novo de procurar desenvolver a negociação, eu quero acreditar. Até ao final da legislatura, este caminho tem de ser feito. Da nossa parte, havemos de colocar em cima da mesa a inflação verificada e esperada, na medida em que as nossas propostas têm o objetivo de repor o poder de compra no ano anterior ao que se negoceia.
Mas quais os critérios que o governo vai usar?
O governo comprometeu-se a avaliar a cada ano a situação macroeconómica, a inflação, os salários e a carga fiscal para que não haja esta continuação da perda de poder de compra.
Este acordo prevê uma série de reuniões para discutir a revisão do SIADAP. Que mudanças efetivas estão em cima da mesa?
O SIADAP quase nos proíbe de sermos excelentes. As quotas são muito injustas e é tudo muito complexo. Há a necessidade de simplificar. Ainda hoje temos serviços onde a avaliação nunca aconteceu e depois anda toda a gente a ver como é que se consegue resolver o problema, porque as pessoas precisam dos pontos para mudar. Dez pontos para mudar numa carreira com 14 posições remuneratórias são 120 anos para chegar ao topo.
Como é que isto se agiliza?
Com progressões mais rápidas. Se calhar pode ser com oito em vez de 10 pontos, como aliás se chegou a falar no último governo.
Em relação às carreiras especiais, revistas e não revistas, que alterações estão a ser discutidas?
Nas revistas, o que está previsto é que beneficiarão as do nível dois tal como os técnicos superiores, mais 104 euros, provavelmente. Os aumentos para as carreiras especiais não revistas serão calendarizados na reunião que se vai fazer antes da aprovação do Orçamento do Estado.
Quais são as de nível dois que poderão ter o aumento?
Os fiscais municipais, que recebem 709 euros, estão nessa categoria, por exemplo. Também os polícias, técnicos de reinserção social, nadadores-salvadores, trabalhadores da emergência médica, os enfermeiros, mas, neste caso, a negociação é mais setorial e continua.
A semana de quatro dias e o teletrabalho são temas para levar à próxima ronda de negociação prevista para novembro?
Na Agenda do Trabalho Digno, estão previstas estas experiências nos setores público e privado e vamos querer discuti-las. Mas percebemos que quando se fala da compatibilização das vida pessoal, familiar e profissional pode ser um passo importante desde que não seja para reduzir os vencimentos. O teletrabalho, por exemplo, pode ser objeto de negociação e de muitas melhorias: há serviços que fizeram acordos com os trabalhadores mas que hoje estão de algum modo ameaçados porque se os trabalhadores meterem o requerimento para pagamento de despesas a mais porque estão em casa, acaba o teletrabalho.
A Frente Comum foi excluída do processo negocial. Considera que o governo tratou de forma diferente as estruturas sindicais?
Não creio. Fizemos as reuniões que a Frente Comum fez. Fomos à reunião suplementar e saímos com a ideia de que havia uma janela de esperança. Sobre outros colegas de outras organizações, disseram logo que não, que era o empobrecimento lento e que não era possível aproximar posições. Não creio que alguém tenha sido tratado de forma discriminatória neste o processo negocial. Custa-me a acreditar.
Então a greve nacional marcada pela Frente Comum para 18 de novembro não faz sentido?
Não sei. Se a querem manter, mantenham-na. Da nossa parte, vamos ver se, até ao momento da greve, conseguimos reforçar a negociação coletiva para ter compromissos mais plausíveis. Se assim não for, avaliaremos.
Considera juntar-se à paralisação?
Não. Se a votação global é a 25 de novembro, até lá havemos de estar a negociar. E só depois se verá. O facto de termos assinado um acordo, não quer dizer que setorialmente as pessoas não queiram ir para a luta. A FESAP apoiará sempre a luta dos seus sindicatos, independentemente das carreiras. Há problemas em todo o lado. Temos o regresso às 35 horas semanais, mas ainda não foram todos os direitos repostos. Porque é que ainda não temos os 25 dias de férias, por exemplo? Lá chegaremos. Queremos encontrar um novo caminho na negociação. Se for correspondido, estamos todos a ganhar. Se não for correspondido, a rua não é só para alguns.
Participa há vários anos na comissão política do PS. O PS de hoje está diferente?
O PS de hoje, com a maioria absoluta, está diferente porque está mais consciente das suas responsabilidades, não tem de andar a correr atrás de prejuízo nenhum e pode cumprir melhor o seu programa. Não está provavelmente tão amarrado como estava no tempo da geringonça.
A nível interno quais são os nomes que se perfilam para secretário-geral do PS? Pedro Nuno Santos, Fernando Medina, Mariana Vieira da Silva, Ana Catarina Mendes?
É tudo tão boa gente que prefiro deixar a discussão para melhor oportunidade. E que essa oportunidade seja dentro do PS. Agora, temos de nos preocupar com a situação do país e dos trabalhadores, que estão cansados de perder. Estão cansados de todas as desculpas, desde a pandemia e agora a guerra. Quando fomos assinar o acordo eu disse que este é o primeiro acordo do século. Mas só o será se for cumprido, se for melhorado e se corresponder às expectativas dos trabalhadores.
In Dinheiro Vivo (Salomé Pinto e Ana Maria Ramos – TSF)
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